COISAS E LOAS (Memórias de Chico da Roça, que não tem o coração vagabundo)
Um dia, ao me encontrar no “Chega-e-vira”, à caça de uma novilha fujona, encontrei meu compadre Chico da Roça, que como eu estava ali somente de passagem. Nunca vi lugar tão “desabençoado”, assim. Não se encontra “nem” água.
O certo é que conhecedor do “hábito de invencionices” do meu compadre, “li dei corda”. Porém, uma grande surpresa tive. E, aí, meu compadre me emocionou com sua emoção. Como se diz “no int’rior”, “mi deo uma lição di vida!” E, aí, até lacrimejei, à medida que ele avançava em tão sentida narrativa, provocada por uma pergunta, que lhe fiz. “Como era a Chapada, compadre, no tempo em que o senhor era criança?!”
Cumpâdi, vô li contá argo qui nunca contei é pra ninguéim. Numa noitada di lua, di fazê inté capelobo uivá, nansci.
Acho qui foi a única coisa di mais boa, qui mi aconteceo. Minamãi sufreo irgá pareia di boi a arrastá arado. Lutô, i foi muito, cumigo, qui só quiria murrê. Mais, pra minha sôrti, a mardita num mi quis. I é só purisso qui samo cumpâdi ôji. Foi só muito fubá da casca du babaçu i a bindita da farinha d’água, qui mi iscapô. I, cumo dizeim us mais sabido, queim num é grandes coisa iscapa. I, né, eu iscapei.
Fui sorto nu mundo, pra vê si mi criava. Fui criado cum’um pássuro livre. I cumo disparei carrera nais campina, nus fim da tardinha, nu lombo du meo cavalo magricelo. I ia tomá us banho nu corgo, qui riscava u nosso terrero até pur vorta du méis di setembro. Adespois, a água virava oiro i pegav’um sumiço. Ansim, a minha lida começava cedo. Cedo, cedo. Ais veiz, ia parmilhano u mais lôngi só pra pudê trazê dois bujãozinho, qu’ia engulido pur a véia cangaia. I num duravo neim beim dois dia. Era muito u sofrê.
Já taludinho, comecei tomá uns gôli. U qui mi isquicia ais dificulidade. Um dia, manheci ansim meio mal inteinçunado,
afiná, ia rolá uma festança nu
Sã’luisinho. Era festa de maiô arrespeito.
Quiria i. Nun tinha era dinêro argum. Mais num mi apertei.
Vendi u leitãozinho, qui criava no fundo di quintá. Apurei um troco i mi perparei todinho. Aí, butei u meu prefume Garrão, qui garrava mermo na gênti pur uns trêis dia i recendia pur toda parte, pur donde ia.
Trazia cumigo uma côsa, qui apertava u peito. Argo, qu’ia acontecê cumigo. Aí, fiquei foi cabrero. U tempo todo mi vigiano. E num é qui a tá côsa aconteceo mermo. Uma viva sombração. Aquerdite. Pur a luiz, qui tá mi alumiano. Uma mulata jeitosa, vistida cu’um vistido di chita, todo infeitado di renda, cu’as buchecha tom incarnada qui neim um bico de brasa i us cabelo isticado nus rolo, m’encheo os ôio. Eu olhava pr’ela, i nada. U diacho num mi dava bola.
Foi chegano à tardinha i mi passei foi mermo pra carne di porco assada, cum farinha i uma pimenta malagueta, ói, daqui! N’outra ponta da mesa, a bichinha m’ispiava, cum ôio pur baixo, irgá bicho brabo. Di veiz inquando, tombéim, né, eu buscava ela cum u canto du meo ôio. Rarará, nóis ia si alimentano, us bucho e us coração.
Adespois do jantá, fiquemo disfarçano, cumo queim não quê nada, e não arredamo da sala .
Quando o forró começô nu barracão, fincado nu meio du terrero, fumo indo cumo sium ímã nus puxasse. Aí, fiquemo nus oiano purum tempão. Di repente, tomei corági e li dei uma piscada. Fiz um arrudeio, mi proximei i convidei ela pra dancá.
Nóis si atraquemo logo na primeira pârti, i num mais si disgrudemo. Aí, fui arrochano a cintura dela i sintino a onda di calô dela m’invadino. Tavo irgá um pordo novo i já num tinha arreceio. Dei um chero nu cangote, e ela si tremeo du pé a cabeça. Mi sinti foi nais núveim, achano qui nadinha pudia nus atrapaiá.
Mais, tav’inganado. A fia da minha vizinha passô i mi deo um biliscão dus inferno, qui tirô inté um pedaço da minha custela. Mais, mermo ansim neim liguei. Tavo muito beim. U qui qui eu ia querê cu’um currupiro daquele?! Só si sesse u meu, um coração vagabundo!
Fico inté imbaraçado eim li dizê tudo isso. I o finá vô ficá li deveno. Inté mais, cumpâdi! Adespois termino di li contá u qui deo isso.
Que maravilha é o coração do meu compadre Chico da Roça!
Zé Carlos Gonçalves
Parabéns 🌻
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