Crônica : Professor Zé Carlos

O DIA, EM QUE QUASE VIRO UM PAI D’ÁGUA A tarde findava calma, igual a muitas outras tardes, após uma salutar pelada, na minha Floriano Peixoto ou no baldio terreno ou na praça, única e inesquecível, em dia chuvoso, quando o velho e onipresente Nestor se recolhia ao abrigo seguro, depois de agitada noite, à captura, nem sempre lícita, dos vadios, esfomeados e desajuizados animais, que invadiam, ou não, a cidade.

Corri a pegar a toalha e me dirigi ao poço, que ficava no quintal da vovó. Queria tomar banho, antes da cantilena de mamãe. Acho que essa era a prática mais comum de todas as mães. Só jantava quem tomasse banho. Para alguns amigos, isso era uma terrível e verdadeira tortura. Alguns ficavam, mesmo, sem a janta; com as canelas brilhantes, a refletirem a sujeira cinzenta de tantas estripulias; com o gritante azedume a exalar nas brincadeiras noturnas; e com a rede oleosa e “má cherosa”, a expulsar os desavisados e alquebrados corpos, pela lida, que buscavam só um cochilo, após o almoço.
O certo é que até já estava decidido “a se banhar”; mas o fino assobio veio penetrar de vez o miolo de minh’alma. Eu, ainda menino, havia perdido a hora do banho e a coragem de me achegar à beira do poço. Personificou-se o medo e se fez presente. “Aí, foi me tomano do pé à cabeça” e me paralisou. A salvação, que “me salvou”, foi a mãe d’água ainda estar presa no fundo do bendito poço, a esperar que o tempo cravasse seis horas. Hora, em que se via livre, para sair à caça. Queria me atrair e me encantar. Ainda bem que virei uma “istauta” e nunca que me mexi. Não dei “nem” um passo. Só o calafrio me restou, “a descê a ispinha”, e “o trimido tremô, mi deixô irgá uma vara vêrdi”. “Nadica de nada pensei. Neim consegui gritá”. E, “paricia que ecoava uma cachoera no meo uvido”. “A fonte latejava”. “I a danada da frebe tomô conta de mim e me deo uma pisa, seim dó neim piedade”. Tresvariei por algumas horas. E, por ironia, não tive “um sonhinho sequer cum a danisca, incantadora di minino temoso”.
Quando “a mardita sezão foi passano, fui tomando pé da situação”, e tive a certeza de que “escapei de uma boa”; já que sempre ouvi dizer, por aí, que quem é encantado, pela linda e irresistível “mulh peixe”, nunca mais volta à terra. Vira, assim, acho eu, um PAI D’AGUA!

Zé Carlos Gonçalves

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